ESCRITA E LITERATURA

Textos à deriva do espaço

Os textos desse post foram produzidos na oficina “Derivas da escrita, caminhar e escrever pela universidade”, que aconteceu nos dias 7 e 9 de março de 2022, como parte das atividades do “Tão perto de novo”.

Listar o que se vê! Tentativas de esgotamento de um lugar

Uma menina de cabelos roxos
Outra de cabelos vermelhos, quase laranja
Um homem de barba e máscara azul aparece na janela para olhar o movimento, ele sorri com os olhos
Cartazes, por todo lugar
Muitos alunos, muitas cores
Imagens penduradas no teto flutuam ao nosso redor
Um casal de mãos dadas e roupas combinando
O atrasado, o perdido, o apressado.

gabriela mazorama.

Metal enferrujado, triângulos, palmeira e plantas com folhas furadas. Mais metal, muitas linhas horizontais e mais concreto furado. Concreto por toda parte, aqui e lá, por onde a vista alcança. A porta, carcomida pelo tempo. Nossa, que expressão feia, mas define bem o estado de conservação da porta. Sol, vento e chuva, tudo ela presenciou. Esquecida, descuidada, maltratada, mas fecha o espaço. Resiste.

A fila só aumenta, pessoas em busca de alimentação acessível e saudável. Quem pode ter acesso? Quem come bem neste país? Ainda bem que comemos.

O teatro, o palhaço, a arte. Imagens que balançam, retratos bonitos dançam e me encaram. Eu encaro de volta.

Ameixa, um pé de ameixa, uma árvore que terá ameixas daquelas que eu gosto. Quando será? Conseguirei provar? Foco, presta atenção no caminhar e no caminho.

lindsay cresto.

Uma Fila
Mesas vazias
Um queijo ou uma mesa
Um hidrante vermelho
Cartazes muito coloridos
Uma sala vazia
Fotografias
Uma foto de um cachorro, um Golden na praia
Um orelhão da oi (ele não funciona)
3 alunos desenhados em uma folha
Um caixa
Uma plaquinha escrito “minha linda horta”

vitor neckel.

Tentativas de escutar os corredores

– Está aqui faz muito tempo? Digo, na cidade e na UT.
– Sim, sim. Aqui tem muito vagabundo. Mas é uns vagabundo gente boa. Eu gosto de vagabundo, inclusive já fui vagabundo.
– É, eles não fazem nada pra ninguém né.
– Pois é… Aqui tem muito CDF também.
– O senhor é professor?
– Sim, leciono há muitos anos.

gabriela mazorana.

“Eu só queria fazer matéria presencial só que daí na primeira aula”
“Aquele negócio de avaliação, porque ela avalia na sala né…”
“Porque tem uma burguesada sem fim, teve uma vez…”
“Mas tipo, eu tô com bastante coisa atrasada, então eu tentei pegar o máximo”
“Sendo que ela nem vai trabalhar na área”
“Ele falou duas semanas antes de acabar o semestre”

vitor neckel.

A universidade onírica

Inconscientemente eu sabia que o relógio marcava meia noite.
No meio do corredor escolar, o som ritmado de pessoas ecoava. Um passo, dois passos, uma pausa e as rodas do carrinho indo de um lugar para o outro.
Mais à frente, outro indivíduo parecia ter apenas um pé, já que o outro passo era abafado pelas rodinhas da pessoa anterior.
As duas figuras se encontram no meio do corredor entre as portas dos banheiros, sob o olhar das luzes incandescentes:
— O que teve aí? — perguntou divertida a figura 1.
— Ah, eu não sei — resmungou a voz, com pressa.
A figura 1 deu nos ombros e seguiu em frente.
Fui atrás da outra.
Meus passos não ecoavam, eu parecia flutuar. Nada era nítido. Porém, sobre a lixeira no carrinho de limpeza, algo focou timidamente: algo cintilava, brilhante. Eram chaves. No entanto, ao lado do molho, uma jóia alaranjada chamou minha atenção.
Estendi minha mão e o corpo à frente rotacionou veloz.
Assustada, acordei.
Aos poucos, a cacofonia ao meu redor despertou meus sentidos. Um barulho de chaves, passos animados, cheiro de desinfetante. Abri os olhos devagar ao sentir meu pé sendo atropelado.
Estava sentada com as pernas esticadas e as costas apoiadas na mochila:
— Desculpe — disse a moça e eu assenti.
Ela seguiu em frente. Eu fiquei encarando.
E o diálogo sonhado aconteceu de novo.
Uma névoa cobriu meus pensamentos.
Desadormeci, olhos atentos.
Estava no corredor.
Outra vez.

larissa nouchi.

O casal do retrato me encara. A moça pergunta com raiva se entreguei todos os documentos do estágio. Um medo me consome. “Será que entreguei tudo?”. As figuras do Potty saem da parede e me seguem, entregam papéis. Elas não são de concreto, mas de biscuit rosa, gigantescas, com aroma de chicletes de tutti-fruti. Uma onda imensa me engole e não consigo respirar, estou me debatendo para não me afogar. Acordo sentada na cama e assustada. Ufa, foi só um sonho!

lindsay cresto.

Eram mesas espalhadas e murmúrios que não tinham início nem fim. Até que se ouviu a
brusca freada de um ônibus. E foi quando os sons de passos apressados, chaves tilintando,
portas abrindo e fechando soaram ao mesmo tempo, no mesmo lugar. Me apressei em sair
da confusão que parecia se concentrar no RU enquanto a cena toda se tornava um borrão,
e de repente uma mão pousou em meu ombro seguida de uma voz que sussurrou: “Então,
daí é lá. Aí só vai reto”.

lorena farias passos.

Uma fila, o que estou esperando não sei, a fila não anda, mas não chega ninguém também, chego no final, encontro um orelhão, eu atendo, quem fala comigo é um Golden ele me diz que está na praia, e quem sabe eu deveria ir pra lá também, eu falo beleza vou sim, desligo e eu acordo.

vitor neckel.

Um manual de instruções para estar na UTF

Como andar em duplas

O primeiro passo é encontrar uma pessoa cujo interesse ou destino seja semelhante, senão igual, ao seu. Afinal, não faz sentido andar com alguém que está indo em direção oposta. Os primeiros 30 segundos serão de extrema importância para definir a velocidade média de ambos para o passeio. Um deve andar próximo ao outro, com no máximo 40 a 50 centímetros de distância (em caso de escada, dois a quatro degraus). Há vários azulejos e calçadas que servem para facilitar a caminhada. É importante lembrar de não pisar nas divisórias de cada uma delas, pois traz má sorte. Lembre-se sempre de posicionar seus pés em peças inteiras de azulejo.

Se não tiver horário, não tenha pressa. Ande devagar, converse e explore o máximo que puder. Mas sem correr! Mantenha uma velocidade de 4,1 km/h a 6,4 km/h.

gabriela mazorana.

Como manter a calma ao encontrar uma larva em seu almoço do R.U.

É essencial que, para o devido uso deste manual, o necessitado leitor tenha em sua posse:
– Um almoço completo adquirido no restaurante universitário da presente universidade;
– Um copo, caneco ou garrafa contendo líquido ingerível de sua preferência;
– Certa quantidade de inabalável apetite.

Possuindo sua bandeja em mãos, dirija-se à mesa mais próxima, preferivelmente livre de pombas, colegas inóspitos ou resíduos duvidosos. Inicie sua alimentação normalmente, prestando moderada atenção na consistência das guarnições oferecidas. Atente-se a movimentações inesperadas, a tons de verde acinzentados intrusos a sua salada e a texturas e gostos repugnantes, caso seja tarde demais.

Ao encontrar seu alvo concentre-se. Reprima o asco e as lembranças desgostosas, pois, possivelmente, seu prato ainda esteja longe do fim. 

Com muito cuidado para não transformar seu banquete em uma chacina, retira o tão temido verme com a ajuda de um guardanapo, caneta bic azul ou folha de alface contaminada, onde o mesmo se encontra. Deposite-o o mais longe possível de seu prato, evitando movimentos bruscos. Qualquer vacilo pode ser fatal.

Agora que o perigo se afastou, auxilie a ingestão do restante de alimentos (agora não mais confiáveis) contidos em seu prato com a bebida escolhida, direcionando sua mente aos prazos apertados dos trabalhos da semana ou a possibilidade de seu time ir para final da libertadores, facilitando assim a aceitação de que sua dieta vegetariana quase foi quebrada da pior maneira possível.

ISABELLE SANTIS.

Como usar um bebedouro
Se você se deparou com uma coisa retangular, meio reluzente, com torneiras embutidas e
conseguiu olhar para o seu próprio reflexo nela, parabéns! Você encontrou um bebedouro
na UTF. O jeito mais cômodo de usufruí-lo é guardando a água em uma garrafa, ou outro
recipiente de sua escolha, por meio das torneiras. Assim, você não precisará tirar a
máscara para beber diretamente dali –o que, em tempos como estes, requer uma pitada de
coragem, afinal, tirar a máscara não é para qualquer um e não é para qualquer lugar. Ao se
aproximar de uma das torneiras, disponha sua garrafa embaixo dela com uma mão,
enquanto que com a outra, gire o registro no sentido anti-horário até que a água comece a
fluir. Para água natural, posicione-se mais à direita e inicie este processo; para gelada, mais
à esquerda. Enquanto a água preenche o recipiente, a mesma mão que abriu a torneira
pode ficar pairando sobre ela, ou descansar ao lado do corpo. Se houver alguém ao seu
lado neste momento, deseje um bom dia –mesmo que por telepatia. Ao final do
processo, quando julgar suficiente a quantidade de água obtida, feche o registro (desta vez
girando no sentido horário), de maneira a cessar a vazão; encare seu reflexo uma última
vez e continue o seu dia normalmente.

lorena passos farias

Quando nada está acontecendo, olhar, falar, lembrar, mostrar a língua!

– Viu vocês podem me dizer uma coisa, onde que é a biblioteca? (olhares confusos)
– Cara, então… a gente tá nela.(silêncio)
– Baa obrigado, mas não era aqui então.

victor neckel.


FRANÇA, Ana Claudia C. V. de. Textos à deriva do espaço. Blog Plástico Bolha, 2022. Acesso em: . Disponível em: <https://anafranca.com.br/textos-a-deriva-do-espaco/>.


Publicado por Ana França

Sou professora no Departamento Acadêmico de Desenho Industrial (DADIN) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), no campo de Narrativas Visuais e Produção da Imagem. No doutorado pesquisei sobre mulheres no circuito de cinema em Curitiba, entre 1976 e 1989 (PPGTE/UTFPR). Dedico-me a projetos em narrativas visuais e investigações sobre mulheres no audiovisual, nos cruzamentos entre história, narrativa, literatura, texto e imagem.