POR ESCRITO

Golden Holiday

Minhas férias imaginárias no coração de Curitiba.

Passei as férias num resort de estadia barata, conforto caseiro, ares urbanos. Tão perto da minha casa que desconfio, sequer precisei sair dela. O Golden Holiday é um lugarzinho especial, no coração de Curitiba, perfeito para passar o verão em mais um começo de ano pandêmico no Brasil.

A arquitetura é exótica, as cores desbotadas, as ruas inquietas. Aqui não se perde nunca o lastro com a cidade. Pelas veredas e esquinas: cocô de cachorro, sacolinha de lixo, pedaços de um liquidificador, um prato quebrado. O inusitado e o corriqueiro aparecem, seja no trajeto até o hortifruti ou à farmácia (no Golden Holiday as amenities estão há alguns passos de distância). Os hóspedes se entregam à rotina, varrem a varanda, batem tapetes na janela, gritam no portão, tocam violão na segunda-feira, fritam alho de manhãzinha.

Notei o resort vazio durante o recesso de final de ano. O que – infelizmente – não significa um vazio absoluto. Foi numa noite qualquer entre o Natal e o Ano Novo que vozes graves e roucas romperam o silêncio quase abafado (e o meu sono quase profundo) às quatro e meia da madruga. Logo descobri, dois hóspedes recém-chegados traziam um video-game para embalar as férias. Passaram aquele e muitos outros alvoreceres berrando animados, como adolescentes que vivem o primeiro final-de-semana sem os pais em casa. 

Na cozinha do meu flat turístico, a pia de louças dá para uma janela que proporciona horas de entretenimento. Com vista para uma viela sem saída – lugar reservado e, ao mesmo tempo, estridente-, acompanho toda a alegria dos turistas, que puxam cadeiras de praia para a calçada e levam os pets para passear. Ali me deparo com toda movimentação desse aconchegante resort, paqueras proibidas, pequenos crimes e contrabandos, motocicletas chegando todos os dias para os mais variados serviços de quarto: pizza de batata-palha, balde de frango frito salpicado de gergelim, açaí com churros, um bolo de aparência duvidosa. Um olho na louça, outro na rua. Às vezes a louça paga o preço, mas vale a pena. 

No Golden Resort você lava sua própria roupa, prepara sua própria comida, deita no seu próprio sofá. A senhora que ocupa o flat ao lado parece muito com a minha própria vizinha. Talvez você cruze pelos corredores com o seu próprio síndico. Tudo para sair de férias, sentindo-se em casa. E com a imaginação nas alturas. No meu caso, no quarto andar. Só assim é possível passar o verão no Brasil, em mais um começo de ano pandêmico. Opa, a pizza de alcachofra chegou.


FRANÇA, Ana Claudia C. V. de. Golden Holiday. Blog Plástico Bolha, 2022. Acesso em: . Disponível em: <https://anafranca.com.br/golden-holiday/>.


Publicado por Ana França

Sou professora no Departamento Acadêmico de Desenho Industrial (DADIN) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), no campo de Narrativas Visuais e Produção da Imagem. No doutorado pesquisei sobre mulheres no circuito de cinema em Curitiba, entre 1976 e 1989 (PPGTE/UTFPR). Dedico-me a projetos em narrativas visuais e investigações sobre mulheres no audiovisual, nos cruzamentos entre história, narrativa, literatura, texto e imagem.