Eu vejo listas em todos os lugares. Lista de afazeres. De livros não lidos. De poemas favoritos. De coisas espalhadas pela minha mesa de trabalho. De sonhos estranhos que tive. De casas bonitas que nunca vou morar. De coisas desaparecidas na minha casa. De ilhas do oceano Pacífico. De rios do estado do Paraná. De ruas sem saída em Curitiba. De manias muito específicas. De palavras num dicionário.
As listas são modos de organizar as tantas coisas que insistem em nos escapar, que nos confundem e que a memória não dá conta, afinal. As listas classificam e catalogam, podem ser práticas e organizadoras ou perturbadoras e infinitas. Listas podem incluir coisas que já conhecemos, mas também disparar buscas pelo inexplorado.
Uma lista pode se apresentar num poema, num conto, numa reza, numa música ou num artigo científico. Há muitas coisas que podemos contar com listas. O poema “Possibilidades” de Wislawa Symborska, por exemplo, é uma lista de preferências, que mistura gavetas, a cor verde, cães sem cauda cortada e folhas sem flores.
Possibilidades
Prefiro o cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos sobre o Warta.
Prefiro Dickens a Dostoiévski.
Prefiro-me gostando das pessoas
do que amando a humanidade.
Prefiro ter agulha e linha à mão.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não achar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as exceções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar sobre outra coisa com os médicos.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrevê-los.
Prefiro, no amor, os aniversários não marcados,
para celebrá-los todos os dias.
Prefiro os moralistas
que nada me prometem.
Prefiro a bondade astuta à confiante demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos conquistadores.
Prefiro guardar certa reserva.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de Grimm às manchetes dos jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães sem a cauda cortada.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que não mencionei aqui
a muitas outras também não mencionadas.
Prefiro os zeros soltos
do que postos em fila para formar cifras.
Prefiro o tempo dos insetos ao das estrelas.
Prefiro bater na madeira.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro ponderar a própria possibilidade
do ser ter sua razão.
Veja só, você pode ir muito além da lista de compras do supermercado. Pense aí quantas listas interessantes você ainda está por escrever. Os filmes e livros preferidos. Os pratos de comida que gostaria de aprender a preparar um dia. As palavras que compõem o vocabulário específico do seu trabalho acadêmico. Coisas que se pode fazer para aliviar uma crise de ansiedade. Bons lugares para impressionar novas amizades. Ou as muitas causas para um desapaixonamento.
Para citar esse artigo como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
FRANÇA, Ana Claudia C. V. de. A beleza das listas. Blog Plástico Bolha, 2021. Acesso em: . Disponível em: <https://anafranca.com.br/a-beleza-das-listas/>.