POR ESCRITO

Uma carta sobre o tempo

Carta da paraninfa para a turma graduada em Tecnologia em Design Gráfico, em 25 de abril de 2023.

Curitiba, 2018.

Pessoas, 

Fico muito feliz e honrada por ter sido escolhida paraninfa da turma que hoje encerra a graduação em Tecnologia em Design Gráfico. Escrevo esta carta como um presente e uma despedida. 

Como professora de Audiovisual, quero lhes escrever primeiro sobre o tempo. Numa história o tempo voa, o tempo é perdido, o tempo demora a passar. Nas artes o tempo é uma matéria elástica, pode ser encurtado ou esticado. O tempo passa misteriosamente no poema de Alcides Villaça: Toda manhã a gente toma café / na xicrinha de ágata vermelha / um dia ela permanece limpa limpa / sobre a toalhinha branca branca. 

Neste dia, imagino um poema para vocês mais ou menos assim: Toda manhã a gente assiste aula / na cadeira estofada azul / um dia ela permanece vazia vazia / esperando a próxima turma chegar. A graduação é essa experiência em que o tempo passa rápido, mas também devagar. São anos de rotina, cansaço, repetição, movimento, encontro, desencontro, amor, festa, frustração, descoberta. Hoje é dia de celebrar os sentimentos contraditórios dessa experiência que transformou tantas coisas na vida de vocês. 

A graduação termina, mas o aprendizado continua. A graduação foi uma parte importante da formação de vocês, ofereceu mapas e itinerários variados e instigantes. Mas a viagem é de vocês e vai durar a vida toda. Usem os mapas que receberam, mas lembrem que vocês são responsáveis pelos caminhos que vão percorrer. Virão novas rotas e continentes inteiros. E para seguir viagem, desejo que nunca percam o encanto com as ciências e as artes, que nos oferecem modos de acessar a infinitude, a complexidade e a beleza do mundo. 

Enquanto vocês cursaram a graduação, passamos por momentos muito tristes. Uma pandemia global. Os desafios que a educação e a ciência enfrentam em nosso país. A precarização da universidade pública. Um governo nefasto. A ameaça fascista. Em alguns momentos, esses dias de incerteza e devastação pareciam sem fim. O mistério do tempo outra vez. Hoje é dia de celebrar também nossa persistência na vida diante desses dias dolorosos e infinitos, que deixaram marcas e desafios que carregamos conosco, com responsabilidade e vigilância.

O Brasil que espera por vocês, designers, é um país muito bonito. Um país onde a música, a literatura, o Design e tantas outras artes têm força, beleza e interlocução social. Mas é também um país marcado por desigualdades radicais de raça, de gênero e de classe. Como profissionais e como pessoas que estão no mundo, espero que vocês não percam de vista as estruturas de opressão que nos atravessam. Que vocês possam participar da construção de ambientes de trabalho e de convivência mais justos, mais plurais e mais inclusivos. E esse desafio será nosso, para sempre. 

O Design tem uma relação muito especial com a imagem, com o modo como representamos as coisas, as ideias, os lugares e as pessoas. Como professora de fotografia, quero então lhes escrever sobre as imagens. Como nos ensina bell hooks, o olhar é uma forma de poder, de confronto e de contestação. Agora, no olhar de vocês reverberam as aulas de teoria da cor, projeto, história da arte, teoria do design, semiótica, desenho, composição, fotografia, audiovisual, ilustração, dentre tantas outras. A imagem é um lugar de ação, pelo qual construímos possibilidades criativas e emancipatórias. Então, há outro desafio que é nosso, construir imagens – no Design e em outras linguagens – mais justas, mais plurais e mais inclusivas.

Em alguns momentos da vida há uma pergunta que se coloca diante de nós: por que fazer isso ou aquilo? Por que fazer uma graduação? Por que estudar tanto e sempre? Por que defender as ciências e as artes? Por que escrever? Por que falar de poesia e de política? Por que sonhar com o que parece tão distante? Para que, enfim, serve a utopia? Bem, Eduardo Galeano, escritor e jornalista uruguaio, responde assim: “[…] a utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, eu jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Pois serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

Não percam de vista os desejos de transformação pessoal e coletiva que, embora inalcançáveis, nos colocam em movimento, nos fazem caminhar, nos possibilitam encontros com outras pessoas, nos enchem de coragem e de alegria. No meio da caminhada – rumo a esse horizonte que nunca chega- , muitas coisas bonitas e alcançáveis acontecem! Hoje mesmo, uma dessas coisas está acontecendo. Parabéns por concluírem a graduação em Tecnologia em Design Gráfico. Continuem caminhando, com coragem, com responsabilidade, com espírito crítico, com coração aberto, combinando as aulas de desenho com as de teoria do design, e os projetos de design com os de fotografia. O futuro é outro mistério do tempo. Desejo um futuro auspicioso à vocês.

Um abraço,

Ana Claudia França 
Professora do Departamento Acadêmico de Desenho Industrial (DADIN)
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)


FRANÇA, Ana Claudia C. V. de. Uma carta sobre o tempo. Blog Plástico Bolha, 2023. Acesso em: . Disponível em: <https://anafranca.com.br/uma-carta-sobre-o-tempo/>.


Publicado por Ana França

Sou professora no Departamento Acadêmico de Desenho Industrial (DADIN) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), no campo de Narrativas Visuais e Produção da Imagem. No doutorado pesquisei sobre mulheres no circuito de cinema em Curitiba, entre 1976 e 1989 (PPGTE/UTFPR). Dedico-me a projetos em narrativas visuais e investigações sobre mulheres no audiovisual, nos cruzamentos entre história, narrativa, literatura, texto e imagem.