oficina de escrita

Como escrever um diário de pesquisa

Começar e terminar um projeto de final de curso pode levar meses. Talvez, mais de um ano. No decorrer desse tempo, muitas ideias vão passar pela sua cabeça. E eu pergunto, o que você faz com elas? E veja, não serão apenas ideias suas, mas também recomendações da orientadora, sugestões da banca, comentários de colegas e professoras/es, anotações sobre eventos acadêmicos ou conteúdos das redes sociais. Há, ainda, as muitas dúvidas e angústias decorrentes de qualquer processo de pesquisa e criação.

Um diário de pesquisa serve justamente como um registro dos processos de trabalho, uma memória que podemos acessar posteriormente, servindo também para identificar questões recorrentes ou para desenvolver articulações entre uma ideia e outra. O diário é um espaço privado e você só vai compartilhar o que escreveu com outras pessoas, na medida que isso faça sentido para você. Por isso, é um bom lugar para suspender os julgamentos e o medo de escrever. É um espaço para o risco, para a experimentação, para o exercício e para a dúvida. E é certo que, quando você começar a escrever o documento final, vai agradecer a possibilidade de consultar em um único lugar as ideias e as informações que atravessaram o seu projeto nos últimos dez meses!

Eu escrevo muito em arquivos digitais, mas também gosto de uma boa caneta e caderninhos simples de papel. Aliás, experimente os cadernos mais baratos e esqueça os moleskines, estes fazem parecer que só é possível escrever neles grandes tratados filosóficos (e costumam custar caro)! Você também pode utilizar aplicativos de texto do computador, blocos de notas virtuais ou arquivos armazenados nas nuvens. Considere o sistema de anotações que é mais acessível para você, talvez por ter mais facilidade em manipulá-lo ou por fazer mais sentido na sua rotina de trabalho e estudo. O importante é construir, de algum modo, esse espaço para a escrita, para o pensamento e para a memória.

Se preferir, você pode ainda escrever um diário público, em um blog, por exemplo, que pode se tornar um espaço interessante de diálogo. Por outro lado, haverá uma preocupação maior na escolha dos conteúdos que se tornarão públicos. Por isso, ainda que se tenha um diário público, é sempre bom manter uma versão privada.

Anna Rachel Machado, Eliane Lousada e Lília Santos Abreu-Tardelli listam alguns dos temas que um diário de pesquisa pode acolher: dúvidas sobre questões teóricas e práticas; reflexões pessoais sobre o tema de pesquisa; sínteses, comentários e discordâncias sobre leituras; articulação entre leituras e experiências pessoais; desafios enfrentados; buscas por soluções; planejamento das próximas etapas; sentimentos sobre o trabalho; descobertas; novas ideias; referências bibliográficas; indicações e sugestões de leitura; relatos de discussões com orientadora, professoras/es, colegas e outras pessoas; e mudanças de percepção sobre o tema ou sobre a pesquisa.

As autoras oferecem ainda mais alguns conselhos sobre como construir um diário de pesquisa:

“[…] acostume-se a escrever o máximo que puder, livremente, à medida que desenvolve sua pesquisa. Procure dominar o tema que você escolher e refletir sobre todas as fases da sua pesquisa. Não se limite a xerocar textos e sublinhar palavras ou frases: escreva diários de leitura, resumos, críticas, perguntas, dúvidas, faça esquemas, gráficos, etc.

“escreva uma primeira parte do seu diário de pesquisa, com a máxima liberdade possível, mas não se esqueça de colocar as referências bibliográficas completas dos textos que você for lendo (autor, título da obra, data da publicação, página) e de colocar aspas para marcar as frases que você copiar do autor. […]”

“A preparação inicial para a escrita acadêmica/ científica”. In: planejar gêneros acadêmicos. 2005. P. 28 E 29

E aqui vão algumas perguntas que também podem guiar a sua escrita:

O que aprendi até agora sobre a atividade de fazer pesquisa?
O que aprendi tem alguma relação com a minha vida pessoal?
O que achei mais interessante e o mais desinteressante?
Que facilidades e dificuldades estou enfrentando?
O que posso fazer para superar as dificuldades?
Que leituras estou fazendo que têm me ajudado? Por quê?
Quais são minhas dúvidas?
O que posso fazer para vencê-las?
Com quem vou conversar sobre tudo isso?
Como estou me sentindo diante de tudo isso?

“A preparação inicial para a escrita acadêmica/ científica”. In: planejar gêneros acadêmicos. 2005. P. 29

Escrever não é um grande mistério, mas requer compromisso e prática. O diário pode ser um grande aliado das suas descobertas e desafios.


FRANÇA, Ana Claudia C. V. de. Como escrever um diário de pesquisa. Blog Plástico Bolha, 2021. Acesso em: . Disponível em: <https://anafranca.com.br/como-escrever-um-diario-de-pesquisa/>.


Publicado por Ana França

Sou professora no Departamento Acadêmico de Desenho Industrial (DADIN) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), no campo de Narrativas Visuais e Produção da Imagem. No doutorado pesquisei sobre mulheres no circuito de cinema em Curitiba, entre 1976 e 1989 (PPGTE/UTFPR). Dedico-me a projetos em narrativas visuais e investigações sobre mulheres no audiovisual, nos cruzamentos entre história, narrativa, literatura, texto e imagem.