A cineasta Agnès Varda viveu por décadas da sua vida em uma casa na Rua Daguerre, em Paris, tema do seu filme “Daguerreótipos”, de 1976. Na Rua Daguerre daquele ano era possível encontrar de tudo um pouco: açougue, padaria, salão de beleza, perfumes, maquiagem, relógios, autoescola e até acordeons.
Há no filme uma sequência que destaca alguns gestos de trabalho em torno dos produtos e serviços ofertados na Rua Daguerre. Começa com um garoto tocando um acordeon, de quem a câmera vai se aproximando lentamente, até chegar muito perto dos dedos percorrendo os botões, um amontoado de bolinhas brancas e pretas, e um mistério encantador para quem não sabe tocar o instrumento (como eu!). Em seguida, embalada pela música a sequência é ocupada por mãos que costuram, cortam, derramam, lavam, passam, amassam, esfregam, dirigem, folheiam. Um mágico faz aparecer numa pequena lousa o desenho de uma mão, nos deparamos também com a mão pálida de um manequim, aparentemente esquecida na gaveta da perfumaria. E a sequência termina com a senhora da perfumaria, que por alguma questão de saúde, mantem-se um pouco alheia do mundo. Esse conjunto de imagens de mãos que trabalham tem em cada ponta a juventude e a velhice, cada uma com suas possibilidades e restrições.
Em “Daguerreótipos”, Agnès usa mágica, movimento e montagem, para nos contar dos gestos e das mãos que trabalham em Paris, ainda que os dedos e as histórias sejam distintas, compartilham um mesmo espaço e tempo: a rua Daguerre, em 1976.
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FRANÇA, Ana Claudia C. V. de. Gestos de cinema, gestos de trabalho. Blog Plástico Bolha, 2021. Acesso em: . Disponível em: <https://anafranca.com.br/gestos-de-cinema-gestos-de-trabalho/>.