Muitas vezes o que se fala num filme – seja pela narração, pelo diálogo ou até pela música que alguém canta -, produz um efeito irônico em relação à imagem. Trago exemplos dos curtas-metragens “7 cômodos, coz., banh., … imperdível!” (1984), de Agnès Varda e “Estátua” (2004), de Gabriela Amaral Almeida.
“7 cômodos, coz., banh., … imperdível!” começa com a apresentação de uma oferta imobiliária imperdível (como o próprio título do filme afirma). Contudo, há um pequeno detalhe: o imóvel fora um hospício. Os cômodos vão sendo apresentados e o narrador e agente imobiliário desse misterioso edifício, conta um pouco da história do lugar, destacando as suas muitas qualidades, que certamente serão capazes de superar qualquer inconveniente. Uma das vantagens é o banheiro amplo: “Tenho que mostrar-lhes o banheiro. Um banheiro de hospício é o sonho de uma grande família. Um lavatório para cada pessoa.”. Uma porta se abre e vemos partes das cabines de banho, um pouco do corredor, um espaço para pia e toalha de rosto. Chama a atenção um par de muletas encostado num dos cantos e uma cadeira de madeira que parecer receber quem entra no lugar. Em cima da pia, há uma imagem com a palavra “sonho”, em francês, uma dissonância em relação ao espaço, de cores pálidas e superfícies frias. O que vemos são alguns dos rastros deixados pelos antigos moradores que, talvez, ainda estejam por ali.
Em “Estátua”, a babá Isabel deve passar 10 dias cuidando de uma garota chamada Joana. Ao telefone com a mãe, Isabel diz que Joana “é um anjo”. Um jogo de câmera e movimento – de “mostra e esconde” – revela Joana na porta do banheiro. Joana está enrolada em uma toalha de banho e, imóvel, observa Isabel, que parece não ter notado a súbita presença da garota. O efeito sombrio da imagem se dá também pelo contraluz e pela composição, vemos a silhueta de Joana em meio à algumas camadas do apartamento, de um lado um abajur vermelho, do outro, galhos secos adesivados na parede. A relação entre Isabel e Joana vai se deteriorando rapidamente e esta imagem nos dá uma pista sobre isso.
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FRANÇA, Ana Claudia C. V. de. Falando nos filmes: texto, imagem e ironia. Blog Plástico Bolha, 2021. Acesso em: . Disponível em: <https://anafranca.com.br/falando-nos-filmes-texto-imagem-e-ironia/>.