Aulas

Como pode ser um curta documental?

Documentários podem combinar fontes diversas para construir uma narrativa como, por exemplo, entrevistas, fotografias, jornais, revistas, cartas, depoimentos, etc. Pode ser informativo, didático, científico, biográfico e até mesmo poético. Um documentário pode conter simulação, reconstrução e especulação acerca de um determinado acontecimento, tema ou comunidade. 

O cineasta Eduardo Coutinho produziu muitos documentários de entrevista, que estruturava pela ideia de “dispositivo”. O dispositivo de Coutinho consistia em delimitar um contexto temporal e espacial para produzir um filme. “Edifício Master”, por exemplo, foi filmado durante algumas semanas no Edifício Master, em Copacabana, no Rio de Janeiro, com a participação de muitas pessoas que habitavam o prédio naquele momento. Embora exista uma dose de imprevisibilidade neste tipo de projeto, há uma série de definições prévias, por exemplo, quem participa do filme, as perguntas a serem feitas, onde e quando as filmagens acontecerão. E é claro, a edição pode assumir muitos caminhos e sentidos diferentes, a depender de como os materiais são justapostos. 

Em geral, documentários de longa duração podem apresentar, por exemplo, reconstruções de acontecimentos históricos, investigações criminais ou uma análise em torno de um determinado tema, acolhendo diferentes pontos de vista. Pode ter caráter autobiográfico ou biográfico, focalizar em eventos pessoais ou coletivos ou misturar ambas esferas. Embora o documentário tenha um compromisso com a “verdade”, irá esbarrar com a ficção e com a incerteza, muitas vezes. Um documentário é sempre um ponto de vista, passa por construção e edição, e por isso é sempre parcial. Como qualquer narrativa, a seleção e justaposição de fragmentos pode destacar alguns elementos e deixar muitas outras coisas de fora.

exemplos de documentários:

Atenção! Estas formas documentais não são fixas e um documentário pode acomodar várias delas.

Documentários de entrevistas:
A avó da diretora Bruna Callegari é a protagonista de “Retrato de Dora” e é apresentada pela casa onde mora, por fotografias e objetos antigos e algumas lembranças do passado. Dora, no entanto não “aparece” no filme, mas ouvimos sua voz em segundo plano, contando histórias e comentando fotografias e documentos pessoais. Este mesmo recurso é usado em “A vida que eu sonhava ter” que, por outro lado, conta histórias de diferentes mulheres, sobre casamento, sexo e amor. Enquanto escutamos suas histórias, acompanhamos cenas de limpeza doméstica. Do mesmo modo o curta de 1966, “A Entrevista”, retrata perspectivas sobre casamento, sexo, virgindade e trabalho de mulheres entre 19 e 27 anos, de classe média alta.

Atenção! Entrevistas podem estar presentes em todo tipo de documentário, mas esta pode ser a estratégia central na construção de alguns projetos. O documentário de entrevistas costuma ter uma delimitação geográfica, cultural ou temática, apresentando entrevistas de diferentes pessoas sobre uma determinada questão. As entrevistas podem ser conduzidas e articuladas no filme de diferentes maneiras, inclusive, sem que as pessoas entrevistadas tenham sua imagem exposta em cena. As entrevistas também podem ser realizadas em ambientes mais ou menos controlados, tudo vai depender do recorte proposto e das condições de filmagem.

Documentários sobre pessoas, espaços e comunidades:
“Mulheres de Barro” conta sobre uma comunidade de mulheres que produz panelas de barro. “O relicário das ruas” apresenta pessoas moradoras de rua e alguns dos objetos que guardam consigo. “A Cidade” é sobre a Colônia Itapuã, no Rio Grande do Sul, construída há mais de 70 anos para isolar pessoas com hanseníase. Em “Ovos de dinossauro na sala de estar” a viúva Raghnild apresenta fotografias de família e fósseis brasileiros, ao mesmo tempo que conta sua história de amor com Guido. Cordilheira de Amora II acompanha o mundo mágico de Cariane, uma criança Guarani Kaiowá.

Documentários históricos:
Babás reconstrói origens, questões, rupturas e continuidades da profissão babá no Brasil. “Antonieta” é sobre a professora, cronista e feminista Antonieta de Barros (1901-1952), a primeira mulher negra a assumir um mandato popular no país.

Documentários sobre eventos:
“Não toca no meu cabelo” acompanha a 3ª Marcha do Orgulho Crespo em São Paulo. Entre Telas é um documentário de entrevistas sobre mulheres no audiovisual e foi realizado durante o FERA (Feminismo e Equidade para Reinventar o Audiovisual), que aconteceu em Recife em 2018. “A live delas” acompanha a relação de algumas mulheres com lives musicais durante a quarentena na periferia de Recife.

Documentários autobiográficos:
Em “Antes de ontem”, o diretor Caio Franco reflete sobre a própria identidade racial, a partir de uma coleção de fotografias pessoais. Em “Cinema contemporâneo” Felipe André Silva dispara o filme em primeira pessoa, partindo de uma fotografia de família que tem uma história trágica para contar. “Ferradura” narra a ausência paterna na perspectiva de uma família curitibana. A cineasta Anna Muylaert conta como começou sua paixão pelo cinema em “Um café com o meu avô Durval”. Em “Rebu”, Mayara Santana investiga como o seu modo de se relacionar amorosamente pode estar relacionado com questões de origem e identidade. Em “Abissal”, Arthur Leite investiga a história dos seus avós.

Documentário de arquivo:
“Descompostura” oferece novos olhares sobre fotografias do século XIX e XX de pessoas negras no Brasil, produzindo uma colagem de sons, fotos, filmes e notícias de jornal. “Travessia” condensa múltiplos deslocamentos temporais e espaciais, e inicia com a fotografia de uma mulher negra segurando um bebê, o ponto de partida para discutir a memória fotográfica de famílias negras no Brasil. “Vó Maria” narra memória e esquecimento, nas lembranças da neta, bisneta e tataraneta de Maria.

Documentários que são paródias:
“Recife Frio” é uma paródia de um documentário e conta sobre um evento meteorológico extraordinário: a alteração radical das condições climáticas de Recife.

 


FRANÇA, Ana Claudia C. V. de. Como pode ser um curta documental?. Blog Plástico Bolha, 2022. Acesso em: . Disponível em: <https://anafranca.com.br/como-pode-ser-um-curta-documental/>.


Publicado por Ana França

Sou professora no Departamento Acadêmico de Desenho Industrial (DADIN) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), no campo de Narrativas Visuais e Produção da Imagem. No doutorado pesquisei sobre mulheres no circuito de cinema em Curitiba, entre 1976 e 1989 (PPGTE/UTFPR). Dedico-me a projetos em narrativas visuais e investigações sobre mulheres no audiovisual, nos cruzamentos entre história, narrativa, literatura, texto e imagem.